quarta-feira, 3 de agosto de 2011

O campo na «civitas»

JOAQUIM HELENO
Associado da ADLEI

A actual situação do País e as tendências expressas, há pouco, pelo eleitorado tornam premente um reexame da afectação dos recursos pátrios, obrigando-nos, perante a sua escassês, a optimizar até ao limite as respectivas valias, designadamente a dos solos.

É que, com a entrada de Portugal na CEE, em 1986, evidenciaram-se as debilidades socio-estruturais concretamente da agricultura portuguesa, até aí fortemente protegida, pelos custos de transporte e pelas armas aduaneiras e de contingentamento; e, de seguida, criou-se o logro de podermos abandonar a agricultura e pescas, porque a Europa com as suas políticas de especialização produtiva, nos alimentaria. Portugal apenas havia de dedicar-se às áreas de actividade em que dispunha de “vantagens competitivas”, no arranjo europeu. Situação a que não foram alheias equipas dos Governos de Cavaco Silva: v.g. os abates de pesqueiros e o set-aside dos anos 90, a acrescer ao atávico desprezo nosso pelas tarefas agrícolas.  

E, no entanto, muitos de nós ainda se lembram de que, não há muitas dezenas de anos, Leiria era em boa parte abastecida, nomeadamente de frescos, por pequenas explorações que marginavam o rio, logo a partir da ponte do Arrabalde. Mais para jusante, quando a bacia do Lis se espraiava, matava-se então, à sacholada, por um palmo de terra ou simples desvio dum fio de água para rega... Agora, parte delas abandonadas. 

Tenho sido, na imprensa, a este propósito uma voz tímida no deserto. Também o Presidente da República, ele próprio, volta a apelar à agricultura... Mais vale tarde...

Urge, pois, perante o défice agrícola nacional, fazer uma reflexão séria, tecnicamente sustentada e prospectiva sobre o futuro da utilização agro-silvicola dos solos, designadamente da faixa litoral que vai de Pombal aos limites de Óbidos - com destaque para a agricultura em toda a bacia do Lis, campos de Alcobaça e Cela e nos concelhos imediatamente a sul. Tanto mais quanto neste estádio da sociedade lusa, encandeada pelas novas tecnologias de comunicação, se pensa frequentemente poder criar-se riqueza, sentado, apenas com... um portátil e um telemóvel à mão!

Aquando dos trabalhos preparatórios para as negociações de adesão de Portugal à CEE foram produzidos bastantes estudos académicos sobre a estrutura fundiária da exploração agrícola e o perfil etário, de escolaridade e organizacional do agricultor português. 
Penso que faltam trabalhos do mesmo género, globais, para períodos mais recentes, levando já em conta o último recenseamento, e especificamente para a região de Leiria, onde domina como suporte dessa actividade, para mais, o minifúndio.

Talvez se devesse pedir aos Serviços regionais do Ministério da Agricultura a iniciativa desse inventário pelos seus técnicos, privilegiadamente conhecedores - no dia-a-dia com eles - dos problemas do ramo.

Nomeadamente, no tocante ao cadastro da área média das explorações agrícolas (superfície agrícola útil) ou silvícolas da região; idade dos seus empresários, grau de escolaridade ou de formação específica; sua atitude perante as várias formas de agrupamento na actividade e de organização de sistemas conjuntos de recolha e escoamento das produções; e, finalmente, o grau de disponibilidade das instituições de crédito para apoiarem este segmento vital para um mínimo de soberania nacional (“a reserva alimentar estratégica”).

Mas não seria sacrilégio se a ADLEI, estatutariamente promotora da cidadania, liderasse também esses dados para reflexão-debate entre o “campo” e “cidade”, ou seja,  com os agentes económicos do sector, respectivas organizações,  os  parceiros que lhes prestam de bens ou serviços, e os que deles se abastecem,  maioritariamente sedeados na cidade-edifícios (“urbs”): todos integrando, afinal, a “civitas”, a cidade-comunidade. Deixando o campo de ser, nessa composição, a actividade bastarda da Economia e favorecendo tal diálogo o apuramento partilhado de soluções realistas para o futuro da agricultura regional, compatíveis com as estruturas socio-fundiárias locais e os condicionamentos e virtualidades da famigerada PAC.

Trabalho, ainda que com uma metodologia um tanto diferente, tal Associação tem já parcialmente em curso, com a colaboração de algumas Câmaras, hoje com múltiplos poderes nesta área. Que seja, desde já, bem-vindo nesse retorno ao campo!

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