quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Recordando o Eng.º José Lopes Vieira

JOÃO ELISEU
Associado da ADLEI 

Na reunião da Câmara Municipal de Leiria, de 4 de Março de 1937, foi deliberado que o Marachão, entre o edifício da actual Entidade Regional de Turismo e a Ponte do Arrabal, passasse a ser denominado por Alameda Dr. José Lopes Vieira.  É por isso que, na proximidade daquele edifício, existe um plinto toponímico confirmando tal decisão.

Embora bacharel em filologia, José Lopes Vieira tirou posteriormente, em França, o curso de engenheiro silvicultor, tendo-se especializado nos novos métodos florestais de correcção torrencial. E, foi face a esta sua especialização que a cidade de Leiria muito lhe ficou a dever.

Com o aumento da população, e a consequente desarborização verificada, a partir do início do século catorze, das colinas e das zonas médias da bacia hidrográfica do Rio Lis, iniciou‑se, nas mesmas, um processo de erosão torrencial, com o consequente transporte, para juzante, de volumes consideráveis de materiais arenosos, dado que muitas linhas de água tinham declives pronunciados e atravessavam terrenos de fácil desagregação.

Com a deposição dessas areias, no leito do Rio Lis, e com a consequente redução da sua secção de vazão, já em 26 de Março de 1475 se registou em Leiria a primeira grande inundação. E outras grandes inundações se verificaram, sendo memoráveis as de Junho de 1596, Dezembro de 1600, Junho de 1617 e Novembro de 1646.   Por esse motivo, a Real Casa do Infantado, que superintendia nos campos de Ulmar, viu-se forçada, em 1720, a desviar o curso do Rio Lis dentro da cidade, para o percurso actual, afastando-o da proximidade da actual Praça Rodrigues Lobo, e tornando-o mais curto e regular.

A progressiva deposição de areias, no novo troço, em breve originou novas inundações, pelo que em 1875 a edilidade iniciou a construção de muros e motas em ambas as margens do rio. Isso não impediu que em Novembro de 1900, com uma enorme cheia, e com a sua destruição parcial daquelas motas, se tivesse verificado nova inundação da cidade, com prejuízos consideráveis. 

Como em 24 de Dezembro de 1901 foram instituídos, no país, os serviços de hidráulica florestal, foi simultaneamente determinado que, a título de ensaio, os trabalhos fossem iniciados na bacia hidrográfica do Rio Lis, sob a responsabilidade do engenheiro José Lopes Vieira.

Este técnico percorreu as linhas de água tributárias do Rio Lis, seleccionando as que necessitavam de trabalhos de correcção e estabilização e, a rápida elaboração de projectos e orçamentos permitiu que os trabalhos se iniciassem, logo em 1902, em linhas de água da zona da Caranguejeira. Complementando esta actividade foram submetidos ao regime florestal, em 8 de Outubro de 1903, diversos baldios das freguesias de Caranguejeira, Marrazes e Pousos, onde se realizaram trabalhos de arborização.

Os resultados foram notáveis e imediatos na zona da Caranguejeira e, em breve, na cidade começava a verificar-se o aprofundamento do leito do rio. Pena foi que aquele brilhante técnico tivesse sido surpreendido pela morte, em pleno trabalho, em 26 de Novembro de 1907.

Os trabalhos de correcção torrencial prosseguiram, mas a um ritmo bastante lento, até que em 1941, agora sob a direcção do engenheiro Mário Amaro dos Santos Gallo, tiveram o incremento que permitiu posteriormente avançar com a regularização do Rio Lis, até à sua foz, e à recuperação dos férteis campos do Vale do Lis.

in Diário de Leiria, 5 de Setembro de 2011

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A educação e a comunidade

CLARISSE LOURO
Membro do Conselho Consultivo da ADLEI

A Associação para o Desenvolvimento de Leiria (ADLEI), para além de se preocupar com os mais directos factores de desenvolvimento da nossa região, assume-se cada vez mais como uma escola de cultura cívica e num pilar da mobilização para a cidadania participativa.

Neste quadro promoveu, nos últimos dois anos, um concurso - Concurso Região com Futuro, Projecto(s) de Cidadania – de âmbito regional (Leiria e Oeste) e dirigido aos estudantes do 12ºano, da Área de Projecto.

A Área de Projecto é uma área curricular não disciplinar e de frequência obrigatória no 12º ano que tem como objectivo estabelecer uma ponte entre a escola e a sociedade. É uma forma de colmatar um currículo por vezes demasiado teórico e livresco e de integrar os alunos (mas também professores) na realidade económica e social da sua região, de modo a desenvolver neles o espírito de integração e interacção social e o sentido da participação cívica. Que, por isso, é de natureza interdisciplinar e transdisciplinar, e visa a realização de projectos de aplicação directa às diferentes áreas da realidade regional objectiva.

Estranhamente o Ministério da Educação aboliu esta área do currículo escolar. Esta inoportuna e despropositada decisão é justificada, tanto quanto veio a público, pelo entendimento de que seria excessivo o tempo dispendido por professores e alunos… Um problema de conceito, parece-me! Muito ou pouco tempo, ou ainda tempo gasto ou tempo investido… E de resultados!

Tive a oportunidade e o grato prazer de integrar a comissão científica e o júri deste concurso que, como é bom de perceber por esta lamentável decisão do Ministério da Educação, se esgotou nestas duas edições.

Nessa qualidade apraz-me registar a extraordinária qualidade das dezenas de trabalhos apresentados a concurso. Projectos de altíssimo nível pedagógico e de grande objectividade, fortemente inovadores e, em muitos casos, de assinalável relevância económica, apenas possíveis pela grande capacidade e pelo enorme empenhamento de professores e alunos. Projectos que prestigiam a região mas que prestigiam, antes de tudo, esses professores e alunos - a escola que eles constituem - e, finalmente o ensino público de qualidade que se faz na nossa região.

Num país sempre pronto à crítica e avaro com o elogio é preciso divulgar o que se faz bem. E de bom, porque apenas um ensino de muita qualidade consegue produzir os trabalhos que apareceram a concurso nestas duas edições do Concurso Região com Futuro, Projecto(s) de Cidadania!

in Diário de Leiria, 16 de Agosto '11

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Admissão de trabalhos para o Prémio Villa Portela

A ADLEI informa que o prazo de entrega de trabalhos concorrentes ao Prémio Villa Portela foi prorrogado até ao dia 12 de Agosto de 2011, data do correio. Este prémio pretende contribuir para o desenvolvimento da investigação em História Local do distrito de Leiria e do concelho de Ourém. O montante do prémio é de 2000 euros. São promotores deste prémio a Associação para o Desenvolvimento de Leiria e Ricardo Charters d'Azevedo.

O campo na «civitas»

JOAQUIM HELENO
Associado da ADLEI

A actual situação do País e as tendências expressas, há pouco, pelo eleitorado tornam premente um reexame da afectação dos recursos pátrios, obrigando-nos, perante a sua escassês, a optimizar até ao limite as respectivas valias, designadamente a dos solos.

É que, com a entrada de Portugal na CEE, em 1986, evidenciaram-se as debilidades socio-estruturais concretamente da agricultura portuguesa, até aí fortemente protegida, pelos custos de transporte e pelas armas aduaneiras e de contingentamento; e, de seguida, criou-se o logro de podermos abandonar a agricultura e pescas, porque a Europa com as suas políticas de especialização produtiva, nos alimentaria. Portugal apenas havia de dedicar-se às áreas de actividade em que dispunha de “vantagens competitivas”, no arranjo europeu. Situação a que não foram alheias equipas dos Governos de Cavaco Silva: v.g. os abates de pesqueiros e o set-aside dos anos 90, a acrescer ao atávico desprezo nosso pelas tarefas agrícolas.  

E, no entanto, muitos de nós ainda se lembram de que, não há muitas dezenas de anos, Leiria era em boa parte abastecida, nomeadamente de frescos, por pequenas explorações que marginavam o rio, logo a partir da ponte do Arrabalde. Mais para jusante, quando a bacia do Lis se espraiava, matava-se então, à sacholada, por um palmo de terra ou simples desvio dum fio de água para rega... Agora, parte delas abandonadas. 

Tenho sido, na imprensa, a este propósito uma voz tímida no deserto. Também o Presidente da República, ele próprio, volta a apelar à agricultura... Mais vale tarde...

Urge, pois, perante o défice agrícola nacional, fazer uma reflexão séria, tecnicamente sustentada e prospectiva sobre o futuro da utilização agro-silvicola dos solos, designadamente da faixa litoral que vai de Pombal aos limites de Óbidos - com destaque para a agricultura em toda a bacia do Lis, campos de Alcobaça e Cela e nos concelhos imediatamente a sul. Tanto mais quanto neste estádio da sociedade lusa, encandeada pelas novas tecnologias de comunicação, se pensa frequentemente poder criar-se riqueza, sentado, apenas com... um portátil e um telemóvel à mão!

Aquando dos trabalhos preparatórios para as negociações de adesão de Portugal à CEE foram produzidos bastantes estudos académicos sobre a estrutura fundiária da exploração agrícola e o perfil etário, de escolaridade e organizacional do agricultor português. 
Penso que faltam trabalhos do mesmo género, globais, para períodos mais recentes, levando já em conta o último recenseamento, e especificamente para a região de Leiria, onde domina como suporte dessa actividade, para mais, o minifúndio.

Talvez se devesse pedir aos Serviços regionais do Ministério da Agricultura a iniciativa desse inventário pelos seus técnicos, privilegiadamente conhecedores - no dia-a-dia com eles - dos problemas do ramo.

Nomeadamente, no tocante ao cadastro da área média das explorações agrícolas (superfície agrícola útil) ou silvícolas da região; idade dos seus empresários, grau de escolaridade ou de formação específica; sua atitude perante as várias formas de agrupamento na actividade e de organização de sistemas conjuntos de recolha e escoamento das produções; e, finalmente, o grau de disponibilidade das instituições de crédito para apoiarem este segmento vital para um mínimo de soberania nacional (“a reserva alimentar estratégica”).

Mas não seria sacrilégio se a ADLEI, estatutariamente promotora da cidadania, liderasse também esses dados para reflexão-debate entre o “campo” e “cidade”, ou seja,  com os agentes económicos do sector, respectivas organizações,  os  parceiros que lhes prestam de bens ou serviços, e os que deles se abastecem,  maioritariamente sedeados na cidade-edifícios (“urbs”): todos integrando, afinal, a “civitas”, a cidade-comunidade. Deixando o campo de ser, nessa composição, a actividade bastarda da Economia e favorecendo tal diálogo o apuramento partilhado de soluções realistas para o futuro da agricultura regional, compatíveis com as estruturas socio-fundiárias locais e os condicionamentos e virtualidades da famigerada PAC.

Trabalho, ainda que com uma metodologia um tanto diferente, tal Associação tem já parcialmente em curso, com a colaboração de algumas Câmaras, hoje com múltiplos poderes nesta área. Que seja, desde já, bem-vindo nesse retorno ao campo!