terça-feira, 30 de março de 2010

Conferência «Centro Histórico de Leiria: um novo impulso»

No passado dia 26 de Março '10, a ADLEI promoveu a conferência Centro Histórico de Leiria: um novo impulso, integrada numa reunião de Assembleia-Geral (AG) aberta ao público. Na abertura, o Presidente da AG, José Ribeiro Vieira, recordou a memória de Basílio Pereira, último alcaide do Castelo de Leiria e um dos primeiros associados da ADLEI, recentemente falecido. De seguida, a Presidente da Direcção da ADLEI, Anabela Graça, referiu-se ao Plano de Actividades previsto para este ano e salientou as reflexões que a Direcção tem vindo a desenvolver internamente, em torno de questões que dizem respeito a Leiria e à região, como é o caso do Centro Histórico de Leiria.


Apresentados os oradores convidados, Teresa Barata Salgueiro (Professora Catedrática de Geografia na Universidade de Lisboa e Directora do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território), fez referência às melhorias ocorridas na cidade de Leiria, quanto à circulação no centro urbano e ao estacionamento. Sobre os centros históricos, propôs uma reflexão baseada em razões demográficas, ambientais, urbanísticas e políticas. Acerca do despovoamento, fez ressalva à existência de uma população flutuante, que mantém o centro das cidades habitado. Ainda assim é paradoxal que, sendo os terrenos dos centros das cidades os mais valiosos em termos económicos, sejam também os mais abandonados. Quanto ao papel das autarquias salientou a evolução das políticas para os centros históricos, que traduzem hoje, não só uma atitude gestionária, mas sim uma visão empresarial, tornando o território mais competitivo.

Para a Professora, os centros das cidades continuam a apresentar um conjunto de vantagens face a outros espaços - a centralidade, o valor patrimonial e identitário (a identidade de Leiria passa também pela memória do seu património), densidade e diversidade (o comércio do centro responde a diversos estratos sociais e diferentes graus de poder de compra, ao contrário de boa parte dos centros comerciais), animação e comércio (por natureza, é uma actividade do centro).
Os centros são espaços de memórias e de modernidade e o “efeito memória” é muito importante nos dias que correm, porque a sociedade tende a perdê-la facilmente. Por outro lado, são também espaços que agregam novas procuras: por parte de estudantes, por pessoas que aí estabelecem segundas residências, por utilizadores da cidade (serviços) e turistas. Curiosamente, há algo em Leiria que justificará a ausência de turistas, atendendo à nossa localização, na triangulação Fátima, Tomar e Nazaré, não esquecendo Batalha e Alcobaça. É preciso inverter esta tendência.

Em termos de intervenção, terá de haver uma visão estratégica para a cidade, com definição de pontos fortes e pontos fracos. Essa visão tem de ser construída de forma participada e não definida isoladamente em gabinetes. Não poderá haver morosidade nos processos e quando há parcerias público-privadas, as responsabilidades terão de ser bem definidas. A intervenção deverá ter várias dimensões: cultura, lazer e comércio – as três âncoras de intervenção nas cidades. Por outro lado, o programa de acção deve prever instrumentos de intervenção bem definidos que permitam lidar com situações mais complexas (exemplo: gestão das heranças).

Em termos de dinamização, os centros das cidades devem ter vida, pessoas, em permanência. Por outro lado, há cada vez mais, necessidade do “tempo lento”, espaços que permitam conversar, passear, porque as pessoas têm uma vida muito agitada e procurarão isso. Há ainda a questão do estatuto social que a frequência de um comércio de certo tipo, mais exclusivo, confere. As pessoas procuram esse estatuto social.



João Rodeia (arquitecto, sócio da ADLEI, ex-director do IPPAR, professor na Universidade de Évora e presidente da Ordem dos Arquitectos), partiu da perspectiva histórica, para apontar uma estratégia para o centro histórico de Leiria.

Leiria tem características únicas, com um centro histórico de matriz medieval e onde se concentra uma grande quantidade de edifícios que são património. A grande explosão demográfica de Leiria deu-se a partir de 1965, e a partir de 1980 fez-se sentir, particularmente, as consequências negativas das opções técnicas e políticas tomadas, que ditaram um desequilíbrio no desenvolvimento da cidade, hoje com muitos espaços vazios. Em termos de densidade populacional, Leiria tem 1.085 habitantes por quilómetro quadrado, enquanto a média nacional é de 2.280. Na cidade há vários edifícios de carga, que dão para inúmeras funções. Em 2001, havia na cidade de Leiria 21.500 alojamentos para 15.000 famílias. A maioria dos habitantes da cidade é imigrante, o que cria um problema de identidade considerável e também gera dificuldades de implementação de políticas de proximidade. Em termos de número total de habitantes, em 1991 Leiria tinha 27.500 e 43.000 em 2001. A taxa de crescimento da cidade foi elevada, de 33% no período decorrente entre 1991 e 2001, enquanto a média nacional, nesse mesmo período, foi de 3,9%. Os últimos anos têm-se caracterizado por fluxos migratórios para os subúrbios, provenientes das aldeias (deixando a agricultura) mas também dos centros históricos das cidades para fora. Em 1963, 30% da população portuguesa era agrícola, em 2001 essa percentagem era de 9% e em 2010 de 5%.

O crescimento das cidades foi feito por loteamentos (lei dos loteamentos de 1965), sendo que qualquer técnico não especializado poderia fazer um loteamento. Hoje são as periferias que crescem desmesuradamente, fazendo-se sentir uma forte pressão imobiliária. Em 1980, Lisboa tinha um milhão de habitantes e 520.000 em 2005. Já Sintra, tinha 260.000 habitantes em 1980 e 360.000 em 2001.

Em termos de ocupação do território nacional, verificamos que 80% da população portuguesa vive junto ao oceano, entre Viana do Castelo e Setúbal, numa faixa com cerca de 40 quilómetros de largura, representando 15% do território de Portugal continental. Este facto tem gerado grande pressão urbanística, construção de absurdos urbanos, pouca eficácia dos PDM sobre os quais é exercida grande pressão urbanística, de forma especulativa. Mas, a grande questão, está em não haver uma lei de solos eficaz, que evite a passagem facilitada de um terreno rural a urbano e a consequente especulação territoria.

Para o centro histórico de Leiria, o Arquitecto defende que

- É necessária uma recuperação de qualidade, o que implica ponderação política e técnica, devendo-se estudar previamente casos análogos de outras cidades.

- Não há reabilitação urbana sem pessoas a viver lá. A população residente actual já não resiste, é preciso prever habitações para famílias jovens, considerar o mercado da terceira idade e das profissões criativas;

- É necessário desenvolver políticas de proximidade (explicar as estórias que aconteceram no centro da cidade), promover a cidadania e o espírito crítico consolidado sobre o que vêem. Criar grupos, associações, em torno do centro histórico, valorizar o antigo acabando com o anátema de que “o que é novo é que é bom”;

- É importante estimular o comércio tradicional, de qualidade; fixar indústrias criativas, intelectuais (é por aqui que competem as principais cidades europeias);

- Em termos de reabilitação, é necessário que os equipamentos colectivos do centro histórico resistam através dos tempos;

- É importar criar mecanismos fiscais que atraiam e fixem pessoas, criando mecanismos legais que “penalizem fiscalmente a construção nova”.

E apresenta sugestões, como a

- Criação de um Centro de Interpretação do Centro Histórico de Leiria;

- Realização do levantamento do património religioso de Leiria;

- Edição de roteiros, publicações à disposição do público, exposições e outras iniciativas que valorizem a nossa história, memória e identidade (termos personagens fantásticos da nossa história: D. Dinis, Rainha Santa Isabel, Francisco Rodrigues Lobo, Eça de Queirós, entre outros);

- Criação de um Museu Judaico, dada a existência de uma comunidade judaica em Leiria no período medieval, havendo fluxos turísticos próprios para este tipo de conteúdos.



Por fim, Lino Dias Pereira (Vereador da Câmara Municipal de Leiria, com funções na área do planeamento e ordenamento do território), apresentou um ponto de situação do levantamento de edifícios do centro histórico de Leiria, promovido pela Câmara Municipal, dando conta do seu estado de conservação - actualmente há 200 edifícios sinalizados, a precisar de intervenção - e evidenciando os elevados custos dessas operações.

A Câmara de Leiria pretende direccionar os assuntos relacionados com o centro histórico, para um Gabinete com competências específicas para o efeito. Referiu que estaria a ser estudada a modalidade de intervenção no centro histórico, através da ponderação das mais e menos valias de uma SRU (Sociedade de Reabilitação Urbana).

Foram enunciadas as obras de intervenção previstas a curto prazo pela autarquia: intervenção na zona alta da cidade; reforço da iluminação pública; construção de um centro cívico na R. Barão de Viamonte (Rua Direita) e intervenções ao nível da reorganização do trânsito.

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